Coluna

Luiz Augusto Campos

As cotas e nós: os impactos da política para o Brasil

20 de fevereiro de 2023

Temas

Compartilhe

Ações afirmativas buscam traduzir princípios de justiça igualitaristas em um mundo de desigualdades complexas e, por isso, estão na base de inúmeras políticas que não levam esse rótulo comumente

Eu estava começando a faculdade quando o debate das cotas invadiu minhas aulas. Àquela altura, já sabíamos que uma universidade do Rio de Janeiro realizava o primeiro vestibular do Brasil com reserva de vagas para negros. Mas foi a proposta de criação de cotas na própria Universidade de Brasília que acendeu a controvérsia pelo campus. Numa dessas aulas, um estudante interrompeu a discussão e afirmou: “antes de debater se as cotas são justas, devíamos ouvir a opinião de algum aluno negro!”. Os pescoços dos demais colegas começaram a se mover para buscar, sem sucesso, alguém que correspondesse ao perfil.

Dez anos depois, o mesmo debate retornou à minha sala de aula, só que num contexto muito distinto. Eu tinha me tornado professor justamente na universidade pioneira na adoção de cotas e transformado essas políticas em meu principal objeto de pesquisa. A discussão era menos acalorada e a turma bem mais diversa racialmente. No último encontro do curso, um aluno me parabenizou “por ser um dos poucos professores negros em sua trajetória acadêmica”.

Em uma década, o modo como o Brasil lidava com as desigualdades raciais havia se transformado. O sentido das questões raciais, como as pessoas se enxergavam e, consequentemente, como me enxergavam, também mudou. Se no início do milênio os pretos e pardos não chegavam a um terço do nosso ensino superior público, hoje eles são mais da metade . As cotas raciais haviam revolucionado o Brasil em muitos aspectos.

Além de mudar a seleção para nosso ensino superior e impactar as oportunidades de milhares de estudantes, elas suscitaram um agitado debate público que atravessou mais de uma década , alterando a forma como o Brasil se enxergava como nação e a maneira como toda uma geração lidava com o tema das desigualdades e discriminações raciais.

O que chamamos de “ cotas” são uma modalidade de ação afirmativa dentre várias . Aplicadas em inúmeros contextos e esferas sociais distintas, tais ações afirmativas têm em comum as controvérsias por onde são aplicadas. Isso porque elas dificilmente se encaixam nas tradicionais concepções ideológicas à esquerda e à direita do espectro político, sendo acusadas ou defendidas por membros de ambos os lados.

Luiz Augusto Camposé professor de sociologia e ciência política no IESP-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, o GEMAA. É autor e coautor de vários artigos e livros sobre a relação entre democracia e as desigualdades raciais e de gênero, dentre os quais “Raça e eleições no Brasil” e “Ação afirmativa: conceito, debates e história”.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

Navegue por temas