Coluna
Luiz Augusto Campos
As cotas e nós: os impactos da política para o Brasil
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Eu estava começando a faculdade quando o debate das cotas invadiu minhas aulas. Àquela altura, já sabíamos que uma universidade do Rio de Janeiro realizava o primeiro vestibular do Brasil com reserva de vagas para negros. Mas foi a proposta de criação de cotas na própria Universidade de Brasília que acendeu a controvérsia pelo campus. Numa dessas aulas, um estudante interrompeu a discussão e afirmou: “antes de debater se as cotas são justas, devíamos ouvir a opinião de algum aluno negro!”. Os pescoços dos demais colegas começaram a se mover para buscar, sem sucesso, alguém que correspondesse ao perfil.
Dez anos depois, o mesmo debate retornou à minha sala de aula, só que num contexto muito distinto. Eu tinha me tornado professor justamente na universidade pioneira na adoção de cotas e transformado essas políticas em meu principal objeto de pesquisa. A discussão era menos acalorada e a turma bem mais diversa racialmente. No último encontro do curso, um aluno me parabenizou “por ser um dos poucos professores negros em sua trajetória acadêmica”.
Em uma década, o modo como o Brasil lidava com as desigualdades raciais havia se transformado. O sentido das questões raciais, como as pessoas se enxergavam e, consequentemente, como me enxergavam, também mudou. Se no início do milênio os pretos e pardos não chegavam a um terço do nosso ensino superior público, hoje eles são mais da metade . As cotas raciais haviam revolucionado o Brasil em muitos aspectos.
Além de mudar a seleção para nosso ensino superior e impactar as oportunidades de milhares de estudantes, elas suscitaram um agitado debate público que atravessou mais de uma década , alterando a forma como o Brasil se enxergava como nação e a maneira como toda uma geração lidava com o tema das desigualdades e discriminações raciais.
O que chamamos de “ cotas” são uma modalidade de ação afirmativa dentre várias . Aplicadas em inúmeros contextos e esferas sociais distintas, tais ações afirmativas têm em comum as controvérsias por onde são aplicadas. Isso porque elas dificilmente se encaixam nas tradicionais concepções ideológicas à esquerda e à direita do espectro político, sendo acusadas ou defendidas por membros de ambos os lados.
Luiz Augusto Camposé professor de sociologia e ciência política no IESP-UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa, o GEMAA. É autor e coautor de vários artigos e livros sobre a relação entre democracia e as desigualdades raciais e de gênero, dentre os quais “Raça e eleições no Brasil” e “Ação afirmativa: conceito, debates e história”.
Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.
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